domingo, 1 de fevereiro de 2015

Irmãos lutam para manter o próprio pai na cadeia

Há 25 anos, José Ramos matou a ex-mulher, Maristela, e ainda atirou nos filhos que eram crianças. Pai foi preso, mas julgamento pode ser anulado.


Dois irmãos lutam para manter o próprio pai na cadeia. Há 25 anos, José Ramos matou a ex-mulher, Maristela, e ainda atirou nos filhos, que na época eram crianças pequenas.
Passaram-se duas décadas, até que o pai finalmente foi condenado e preso. Mas agora uma reviravolta pode reabrir o caso, e ele pode ser solto.
“Não tem explicação de ele ter feito isso, sabe? Com a gente, com a minha mãe... A gente podia ter sido uma família feliz.”, diz a filha Nathália Just, filha da vítima.

Nathalia, uma jovem pernambucana de 30 anos, está falando do pai: “Eu vi minha mãe morrer. Eu sei como ela morreu. Foi meu pai.”, conta ela.
O casamento dos pais de Nathália começou feliz, nos anos 80. Fotos mostram o pai, José Ramos, a mãe, Maristela Just, Natália e o irmão mais novo, Zaldo. Mas a felicidade não durou muito.
“Minha mãe trabalhava, ela vendia cosméticos, essas coisas. E ele, não. Então começou a ter esse choque de realidade, dos planos que ela queria pra família e com o que ele apresentava.”, lembra Nathália. 
A mãe decidiu se separar. O pai não se conformou. Na noite de 4 de abril de 1989, em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, José entrou na casa dos avós de Nathalia, onde eles moravam e mudou o destino de todos.
“Ele chamou todo mundo para conversar, no quarto, queria fazer uma reunião”, lembra a filha.
O tio de Nathália, Ulisses, quis acompanhar a conversa.
“Eu estava em cima da cama. Ela assim, de frente para mim e me arrumando. Meu tio na porta do quarto. Tinha um móvel, onde ele estava encostado. E meu irmão estava no outro cantinho da cômoda.”, lembra Nathália.
“Ele brincava com meu irmão. E de repente ele já subiu com a arma em punho. E foi muito rápido. Ele atirou na minha mãe e assim, na cabeça, para matar, realmente. Aí, nisso, meu tio entrou no quarto, ele atirou no meu tio. No que eu ia começar a correr, aí ele veio na minha direção. Então é a última olhada da minha vida nele, foi vindo a arma assim de frente e eu tentando correr da cama. Aí pegou assim em mim, no ombro direito.”, relembra a oficial de justiça.
Nathália tinha quatro anos. O irmão era ainda menor, tinha apenas dois.
“Eu corri para o corredor. E aí ele atirou no meu irmão, ele deu um tiro praticamente à queima-roupa. Na cabeça do meu irmão.”, conta Nathália.
O menino, Nathália e o tio sobreviveram. Mas ficaram com sequelas.
“Eu não consigo mexer alguns dedos da mão direita”, conta Nathália.
O irmão sofreu ainda mais. “A sequela que eu tenho é o lado esquerdo. Paralisado não, com movimento reduzido. Ele me deixou sentenciado.”, diz o irmão de Nathália, Zaldo Magalhães Just Neto, filho da vítima.
O pai de Nathália foi preso em flagrante e confessou o assassinato da mulher. Mas depois de um ano e meio foi solto.
Nathália e o irmão esperaram a Justiça, por muito tempo. 21 anos depois do crime, o júri foi finalmente marcado. Para maio de 2010. Mas nesse dia Nathália não viu o pai.
“Todo mundo lá, família, testemunhas, todo mundo presente no fórum, cadê? Nem o réu, nem o advogado. Então a juíza adiou o júri para dia 1º de junho de 2010”, conta Nathalia.
Em junho, José Ramos não apareceu de novo. Mas, mesmo sem ele e seus advogados, o julgamento foi realizado. A juíza passou a defesa para defensores públicos. E deu a sentença:
“Condeno José Ramos Lopes Neto, neste feito, a uma pena total de 79 anos de reclusão.”, sentenciou a juíza.
A partir daí, ele passou a ser considerado foragido. A família de Nathália lutava para prender o pai. Chegou a triplicar a recompensa oferecida.
A ONG da disque-denúncia tinha oferecido uma recompensa de R$ 3 mil.
“A gente disse, ‘ó a gente vai arredondar para R$ 10 mil para qualquer denúncia que leve à prisão dele.’”, conta Nathalia.
Deu certo. Em 29 de outubro de 2012, José Ramos foi preso.
“É uma sensação de alívio, no sentido de está terminando. Conseguimos por um ponto final”, fala Nathalia.
Mas não era o ponto final. No fim do ano passado, o caso teve uma reviravolta.
Agora o sentimento da Nathalia é de apreensão. Ela esperou mais de 20 anos o pai ser preso e recentemente ficou sabendo que a Justiça pode anular o julgamento.
Fantástico: Qual que é o seu medo?
Nathália Just: O medo é de ter que começar tudo de novo.
A defesa de José alega que a juíza, ao passar o caso para defensores públicos, feriu o direito do réu de escolher o seu próprio advogado.
Os advogados de José já tinham tentado na Justiça de Pernambuco e no Superior Tribunal de Justiça, anular o julgamento. O pedido foi negado.
Agora, a decisão está com o Supremo Tribunal Federal, a mais alta instância do judiciário brasileiro. E já tem um voto a favor da anulação do júri, dado pelo ministro Dias Tóffoli, que durante a sessão, justificou seu voto assim: “A juíza cometeu uma ilegalidade. Não caberia à ela constituir novo defensor, pois assim agindo violou a ampla defesa. Todos os atos são nulos, inclusive o júri realizado, inclusive a prisão determinada, é assim que voto", disse o ministro.
Outros ministros do STF ainda devem votar e todos podem mudar seus votos até a decisão final.
O Fantástico consultou o advogado criminalista Carlos Kauffmann sobre a questão.
“O réu tem o direito de escolher o seu próprio advogado. E se você tira isso do processo, você está tirando uma forma de ele produzir a sua defesa, e isso pode desequilibrar o processo pendendo pra acusação”, explica Carlos Kauffmann, advogado criminalista.
“É como se o processo fosse um jogo de baralho. E agora não volta a fase, volte uma rodada. Não é assim. São vidas. A gente ficou sem a mãe da gente pra sempre.”, diz Nathália.

O Tribunal de Justiça de Pernambuco diz que o julgamento de José demorou para acontecer porque "vários recursos foram impetrados pela defesa do réu".  Segundo o TJ, houve "cinco renúncias de advogados".
“Nada justifica, nem recursos, nem quantidade de recursos, justifica que um processo entre a data do fato e o julgamento demore 20 anos.”, afirma o advogado criminalista Carlos Kauffmann.
O ministro Dias Toffoli não quis comentar o voto para anular o júri, porque, a decisão não é definitiva. A juíza que condenou José não quis gravar entrevista.
Entramos em contato também com os advogados de José Ramos, que disseram que nem eles, nem o cliente iriam se manifestar
fonte fantástico 

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