Funase abre novos centros em PE, mas falhas deixam famílias em alerta
Timbaúba e Recife ganharam unidades; parentes temem motins no sistema.
Segundo eles, lotação e estrutura precária dificultam recuperação de jovens.
Uma rotina de medo e esperança. É assim que vivem famílias de internos da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), em Pernambuco. O sistema, que recebe jovens infratores, dispõe de 1.040 vagas no estado, mas abriga atualmente cerca de 1.600 adolescentes. Mês passado, uma nova unidade com capacidade para 80 internos foi inaugurada em Timbaúba, na Mata Norte. Outra Casa de Semiliberdade com 20 vagas abriu as portas em Areias, Zona Oeste da capital. Os centros recém-inaugurados trazem alento para os parentes, mas estão longe de resolver a superlotação, estrutura deficitária e insegurança do sistema que prejudicam a recuperação dos menores.
Somente nos últimos cinco meses, foram registrados tumultos e fugas em todo o estado. Dois jovens morreram após confusão no Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife, em julho. Segundo a Funase, os internos teriam ateado fogo ao próprio colchão. Quatro acabaram feridos e foram socorridos, mas apenas dois resistiram aos ferimentos. Atualmente, a unidade, que tem capacidade para 166 adolescentes, conta com 383 internos.
Com o marido interno no Case do Cabo há dois anos, a estudante Michele* (nome fictício) afirma que a situação está mais calma, embora a tensão ainda exista. “Construíram mais um pavilhão e aliviou um pouco, mas os [pavilhões] 5 e 6 continuam bem cheios”, afirma, acrescentando ainda que, apesar da revista, celulares são comuns dentro da unidade. “Entra de tudo, mas com a gente que é certo, eles pedem pra tirar até embalagem de sabonete e sabão em pó. Só pode vasilha e plástico transparente”, diz. Segundo ela, brigas pela liderança nos pavilhões são algumas das causas da geração de tumultos nas unidades.
O irmão da companheira de Lucíola* cumpre medida socioeducativa há quase um ano. Ele foi apreendido por homicídio. À reportagem, elas relataram que receberam uma ligação dizendo que ele estava sendo ameaçado de morte dentro da unidade. "Tivemos que vir [para a visita] durante a semana, normalmente só deixamos para a o domingo. O problema todo é que não investem nesses jovens antes. Quando chega a ser preso, a situação já está difícil. Não adianta prender cada vez mais, tem que ver antes", defende.
Também em julho, outro princípio de tumulto deixou um jovem ferido no Case de Abreu e Lima, Grande Recife. Quando soube da notícia, a dona de casa Natália* juntou as últimas moedas que tinha e saiu correndo do bairro de Joana Bezerra, onde mora no Recife, até a unidade, onde o filho de 16 anos está internado há um ano. A unidade está com uma lotação ainda maior que a do Cabo: são 205 adolescentes onde cabem apenas 98.
Brigas recorrentes entre os internos são motivo de preocupação para a dona de casa. “Ele já pegou três rebeliões aí dentro. Eu já tive que pedir para mudarem ele de cela, porque estava sendo ameaçado. Se a mãe não age logo, o filho acaba morrendo. É muito lotado aí dentro. Os meninos que não conhecem o esquema acabam apanhando dos mais velhos, que mandam mesmo”, denuncia.
Mãe de sete filhos, Natália* deixou de trabalhar e vive com ajuda de programas sociais. O mais velho, que está preso, era viciado em drogas e acabou apreendido após um assalto. Ela tem medo que a história se repita. A mulher acredita que o filho “melhorou um pouco” e tenta não perder um dia sequer de visita, nem que para isso tenha que pedir dinheiro emprestado para ir à unidade – a situação é compartilhada por outras mães. “Eu hoje só tinha o dinheiro da passagem e do cigarro dele. Para voltar, vou pedir emprestado para o pessoal daqui”, disse em conversa com o G1.
É também com dinheiro emprestado que Maria* consegue visitar o sobrinho, interno do Case doCabo de Santo Agostinho há dez meses. Para ir de Vitória de Santo Antão, na Mata Norte, até a unidade, ela toma quatro ônibus. “A gente vem quando pode. Trazemos sempre comida, porque a daí é péssima, desorganizada. Quando era terceirizado, vinha tudo arrumadinho”.
Com medo de serem identificadas, as mães se calam quando agentes socioeducativos se aproximam da fila em dias de visita nas unidades da Funase. Joana* trabalha em uma casa de farinha no interior de Pernambuco e enfrenta 100 quilômetros para ver o filho caçula, no Cabo de Santo Agostinho, Grande Recife. Repete o trajeto todas as quartas-feiras. Nos finais de semana, se reveza entre Canhotinho, no Agreste, e a Penitenciária Agroindustrial São João (PAI), em Itamaracá, na Região Metropolitana, onde os outros dois filhos estão presos.
No dia em que a reportagem visitou a unidade do Cabo, Joana* chegou ao local às 8h e esperou até as 10h para ter acesso à unidade. “É muita falta de respeito com as mães que vêm do interior. A situação da lotação está melhorando, mas para a gente entrar é um sacrifício”, reclama. Ela também se esforça para levar ao menos comida e refrigerante para o filho. “É que a comida daí não é boa”, justifica.
Com o filho no Case de Abreu e Lima, a diarista Priscila* também se preocupa com a alimentação inadequada e deixa as faxinas de lado nos dias de visita para levar comida. “Pior é que eles não têm estudo direito. Esses meninos tinham era que trabalhar, para não ficar com a cabeça vazia”, defende.
Se ver o filho preso é difícil, ter que passar pela revista é ainda mais, relata Priscila*. “No Cenip [Centro de Internação Provisória, no Recife], eram três, quatro mulheres juntas. Era muito humilhante, pediam para todas ficarem nuas, sem nada, agachar. Eu me recusava a ficar na frente das outras, esperava saírem. Aqui em Abreu e Lima é melhor, uma por vez, mas é complicado”, reclama.
A situação da revista é também um momento crítico para Joana*. Ela considera ser essa a pior parte da visita. "Você é uma senhora, está naqueles dias e precisa passar por aquele constrangimento. É um absurdo, mas a gente passa por isso. Meu filho passa o pão que o diabo amassou, eu tenho que apoiá-lo", afirma.
Em algumas unidades do interior, a situação de superlotação e confusões se repete. Em maio último, a unidade de Garanhuns, no Agreste, registrou uma rebelião e fuga de 21 internos. Nessa mesma ocorrência, duas agentes da unidade foram feitas reféns. Já em Caruaru, a unidade abriga 130 jovens, no entanto, só tem capacidade para 90.
Em algumas unidades do interior, a situação de superlotação e confusões se repete. Em maio último, a unidade de Garanhuns, no Agreste, registrou uma rebelião e fuga de 21 internos. Nessa mesma ocorrência, duas agentes da unidade foram feitas reféns. Já em Caruaru, a unidade abriga 130 jovens, no entanto, só tem capacidade para 90.
Nova unidade reacende esperança
Inaugurado em novembro do ano passado, o Case Vitória de Santo Antão, na Mata Norte, também já está lotado, segundo a Funase. Apesar da alta rotatividade, a lotação não costuma ser superior a 70 adolescentes, em sua maioria entrando pela primeira vez no sistema. Mesmo com a distância - são sete quilômetros só de estrada de terra, fora a viagem até a cidade de aproximadamente uma hora -, os pais dos internos não perdem a esperança.
Inaugurado em novembro do ano passado, o Case Vitória de Santo Antão, na Mata Norte, também já está lotado, segundo a Funase. Apesar da alta rotatividade, a lotação não costuma ser superior a 70 adolescentes, em sua maioria entrando pela primeira vez no sistema. Mesmo com a distância - são sete quilômetros só de estrada de terra, fora a viagem até a cidade de aproximadamente uma hora -, os pais dos internos não perdem a esperança.
Um ônibus é disponibilizado para as famílias, levando-as da capital até o Case de Vitória. Em dias de chuva, a preocupação é maior com as curvas e ladeiras. Um dos pais relata que no começo deste mês o coletivo quase virou de tanta lama. "Eles acertam a estrada depois, mas é complicado".
A dona de casa Marinete* mora em um distrito de Goiana, também na Mata Norte, e todas as quartas sai de casa às 4h para, por volta das 9h, estar na unidade em Vitória. O adolescente, atualmente com 15 anos, foi apreendido por assalto. "A gente fala, mas as companhias são complicadas", conta a mãe, que está otimista. "Desde que meu menino veio para cá, eu não tenho me preocupado. Está estudando e tudo", explica.
Quando o filho de 15 anos foi preso por tráfico, a auxiliar de cozinha Rosalva* temeu que ele acabasse "se formando em bandido". Mesmo afastado da capital, a organização do centro chamou a atenção dela. "Aproveito minha folga da quarta e venho vê-lo. Ele tem comida aí, mas sempre trago algo a mais, sabe como é mãe. Espero que ele tenha aprendido, cansei e cansei de avisar", afirma a auxiliar de cozinha, que mora no bairro dos Coelhos, no Recife.
Carregador no cais do porto, Getúlio* visita o filho em Vitória, religiosamente, há 7 meses. O jovem cumpre medida socieducativa por assalto. "Toda vez que venho, digo a ele que, se for preso de novo, nunca mais vou vir. Larguei do trabalho às 2h e vim vê-lo. É bom que a gente almoça junto, aconselha. Tinha medo que ele parasse em Abreu e Lima, aquilo é escola de fazer bandido. Recuperar esses meninos já não é fácil, com a estrutura que a gente escuta que tem lá então, deve ser mais difícil", aponta o pai, que cria sozinho outros dois filhos.
A estrutura e os cursos ministrados na unidade de Vitória auxiliam na recuperação dos jovens, mas a realidade das ruas é complicada, lembra a dona de casa Tereza*. "Quando eles estão aqui dentro, escutam pai e mãe, mas e quando sair? Encontrar os traficantes de novo? Espero que meu filho tenha aprendido, ele está até fazendo curso de informática. Dia desses, teve um passeio pelo Rio Capibaribe. Tratam os meninos bem, unidades assim dão uma segunda chance mesmo, mas eles tem que fazer por onde", acredita.
Mais centros e unidades em construção
A nova Casa de Semiliberdade (Casem) Recife III, com capacidade para abrigar 20 jovens, começou a funcionar em 1º de outubro. O novo Case de Timbaúba, aberto em setembro, substituiu outra unidade da cidade, que não tinha estrutura adequada. O Case Timbaúba conta com três casas, cada uma com cinco quartos, sendo capaz de abrigar quatro jovens em cada um dos quartos. Dos 84 jovens, 60 estão nas casas e os outros 24 abrigados na pré-acolhida da unidade.
A nova Casa de Semiliberdade (Casem) Recife III, com capacidade para abrigar 20 jovens, começou a funcionar em 1º de outubro. O novo Case de Timbaúba, aberto em setembro, substituiu outra unidade da cidade, que não tinha estrutura adequada. O Case Timbaúba conta com três casas, cada uma com cinco quartos, sendo capaz de abrigar quatro jovens em cada um dos quartos. Dos 84 jovens, 60 estão nas casas e os outros 24 abrigados na pré-acolhida da unidade.
As 23 unidades da Funase no estado são divididas entre Centros de Internação Provisória (Cenip), Centros de Atendimento Socioeducativo (Case) e Casas de Semiliberdade (Casem). Para tentar minimizar a questão da superlotação, uma das principais reclamações, novas unidade da Funase estão em construção. Atualmente, o governo está construindo outras quatro unidades dentro do novo modelo: Jaboatão II, Cabo II, Arcoverde e o Cenip da Abdias de Carvalho, no Recife, em obras desde o ano passado. Segundo a secretária-executiva de dos Sistemas Socioeducativo e Protetivo da Secretaria da Criança e da Juventude de Pernambuco, Lidyane Lopes, as unidades devem ser inauguradas no próximo ano.
Para evitar confilitos, seja entre os socioeducandos ou entre eles e os funcionários, a Funase ainda vem trabalhando a capacitação profissional dos servidores, além de ter realizado concurso público para assistentes sociais, pedagogos e psicólogos, dos quais 60 foram efetivados em 2013 e mais 13 foram nomeados este ano.
Questionada sobre a falta de aulas e cursos, a Secretaria da Criança e da Juventude informou, por meio de nota, que os internos seguem o calendário escolar e participam de cursos profissionalizantes em diversas áreas, além de participar, nas horas livres, "de atividades socioeducativas, esportivas, lúdicas e culturais".
Quanto às visitas, a Funase informou que "por analogia e obrigação, cumpre a lei estadual que proíbe o nudismo e o toque nos visitantes. Nos últimos 18 meses, a instituição não recebeu nenhuma denúncia quanto aos métodos utilizados pelos agentes socioeducativos nas inspeções". As denúncias podem ser encaminhadas à ouvidoria ou à corregedoria da instituição pelos telefones (81) 3184-5411 ou 3184-5415, além dos e-mails ouvidoria@funase.pe.gov.brou corregedoria@funase.pe.gov.br.
Quanto às visitas, a Funase informou que "por analogia e obrigação, cumpre a lei estadual que proíbe o nudismo e o toque nos visitantes. Nos últimos 18 meses, a instituição não recebeu nenhuma denúncia quanto aos métodos utilizados pelos agentes socioeducativos nas inspeções". As denúncias podem ser encaminhadas à ouvidoria ou à corregedoria da instituição pelos telefones (81) 3184-5411 ou 3184-5415, além dos e-mails ouvidoria@funase.pe.gov.brou corregedoria@funase.pe.gov.br.
Sobre os atrasos nas visitas, a fundação afirmou que "vem trabalhando para cumprir os horários firmados para visitação e que sempre que há atraso o tempo é recompensado ao final da visita". O texto diz ainda que o sistema vem instalando câmeras em todas as unidades de ressocialização e que "revistas vêm sendo realizadas periodicamente com o apoio da Polícia Militar (PM), sem aviso prévio, em todas as unidades de Pernambuco" para "evitar a entrada e permanência de materiais ilícitos nas unidades".
Em cumprimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o G1 usou nomes fictícios para parentes de internos nesta reportagem para não identificar os jovens infratores.
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