quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Estado suspende na Justiça arbitragem favorável a empresário da PPP de Itaquitinga


Complexo de Itaquitinga tem obras paradas desde 2012. Foto: Bobby Fabisak/ JC Imagem
Complexo de Itaquitinga tem obras paradas desde 2012. Foto: Bobby Fabisak/ JC Imagem

Como se o nó jurídico na parceria público-privada (PPP) de Itaquitinga não fosse suficiente, o governo estadual se deparou com um problema no processo de arbitragem envolvendo o projeto fracassado e bilionário. Para quem não é familiarizado com o tema, arbitragem é uma forma de resolução de conflitos judiciais muito mais rápida que a via tradicional. No caso de Itaquitinga, a arbitragem teve uma decisão desfavorável ao governo, por isso a gestão Paulo Câmara (PSB) foi à Justiça. Conseguiu nesta quarta (25) a suspensão, em caráter liminar. Mas a meta é anular todo o processo.
Aparentemente, o Estado cochilou na hora da instalação da arbitragem, que se deu com a pessoa jurídica errada. Imagine o seguinte: se você brigasse com o SBT, a ação não poderia ser no nome de Silvio Santos, certo? Pois foi isso, em linhas bem gerais, que aconteceu no caso da PPP.
A arbitragem deveria ser em nome da concessionária Reintegra Brasil, mas foi instalada – e o governo do Estado seguiu em frente com a discussão – com as empresas acionistas, pessoas jurídicas diferentes.
Como se trata de um assunto complicado e que envolve muito dinheiro, segue abaixo uma divisão por tópicos, para facilitar.
Se você já é familiarizado com o caso, pode ir direto para os tópicos 7 e 8.

1) O projeto
O Centro de Ressocialização de Itaquitinga seria o primeiro complexo prisional do Brasil erguido por meio de PPP, a um custo estimado inicialmente em R$ 287 milhões. Seriam cinco pavilhões e capacidade total para 3.126 detentos. O benefício para Pernambuco, na época, seria desativar o complexo penitenciário de Itamaracá e liberar a ilha para a sua vocação turística.
Como é comum em PPPs, o grupo vencedor da licitação constituiu uma Sociedade de Propósito Específico (SPE), como um “CPNJ” específico para assumir o contrato, a concessionária Reintegra Brasil, titular de um contrato que faturaria em 30 anos R$ 1,9 bilhão, em valores da época. Essa SPE era constituída por dois acionistas, a Advance Construções e a Socializa Empreendimentos, ambas do empresário baiano Eduardo Fialho.

2) Do avanço ao fiasco
Em outubro de 2010, o projeto chegou a ser considerado uma das 100 obras sociais em andamento mais importantes do mundo. Contudo, após torrar um empréstimo de R$ 239 milhões do Banco do Nordeste (BNB), em agosto de 2012 a concessionária parou as obras. Ela já teria gasto R$ 350 milhões e ainda deixou obras incompletas e mais de R$ 50 milhões em débitos com fornecedores.

3) Nó social, político e jurídico
Temendo a reação política negativa, pois empresários e trabalhadores ficaram sem receber seu dinheiro, o então governador Eduardo Campos (PSB) deixou o assunto em banho-maria. Até que, no início de 2013, quando o governo de Minas Gerais deu início àquela que entrou para a história do País como a primeira PPP do gênero no Brasil, o governo de Pernambuco decidiu buscar uma solução e informou que estaria em negociação uma troca de acionistas. Repare bem, porque é importante: não seria trocada a concessionária, a Reintegra Brasil, mas os acionistas, que passariam a ter como sócio-controlador a construtora DAG.

4) Desfazendo a solução
Inexplicavelmente, na época, a troca de acionistas, que já havia recebido o “ok” do governo estadual, não foi adiante. Apesar dos protestos iniciais, depois todo mundo silenciou: credores, governo, DAG e o empresário Eduardo Fialho.

5) Decisão de cancelar a PPP
Veja só: as obras pararam em agosto de 2012. Mas só no início de 2015 o Estado, na gestão Paulo Câmara (PSB), resolveu que iria iniciar um processo de caducidade de Itaquitinga. Na prática, é a extinção do contrato, o que não é simples. Traz a obrigação de um “encontro de contas” do governo Paulo Câmara e da Reintegra Brasil. Diz uma velha máxima do direito, não pode haver enriquecimento sem causa. Mesmo com todos os erros, a concessionária investiu e, após descontadas multas e outras sanções, em tese tem direito a indenização.

6) Denúncias e brigas
Por sua complexidade, a questão se divide em frentes diferentes.
Na esfera Cível, o empresário Eduardo Fialho busca comprovar que a DAG de fato já havia se transformado na dona da concessionária Reintegra Brasil. Para isso, em suas denúncias, como a que fez para a Revista Veja, ele sempre colocou no contexto a DAG como dona do negócio. Ele quer receber dinheiro pela suposta efetivação da troca de comando da concessionária.
Na frente administrativa, o governo segue em frente com o cancelamento da PPP. Mas Fialho, de olho em uma indenização aqui também, questiona o processo conduzido pelo Estado. Diz que o governo pernambucano falhou. Porque primeiro autorizou a troca de acionista da concessionária. Mas como as PPPs possuem um gatilho chamado “step-in right”, pelo qual o agente financeiro tem poder de veto, o BNB disse “não” à troca de comando e aí o governo de Pernambuco voltou atrás. Para Fialho, o ato de Pernambuco, de transformar a autorização em negativa, foi irregular.

7) A briga com a pessoa errada
Agora vem o aparente cochilo do governo.
Como Fialho, para ser indenizado, precisa comprovar que de fato completou a venda do controle da concessionária para a DAG, ele fica mudo no processo administrativo de caducidade de Itaquitinga. Até porque, convenhamos, quem defende o negócio é dono, não é verdade? Sendo assim, nessa frente é tudo à revelia.
Mas na arbitragem foi diferente. As empresas Advance Construções e Socializa Empreendimentos, não a concessionária Reintegra Brasil, foram questionar a decisão do governo de transformar a autorização em negativa de venda à DAG. O governo entrou na arbitragem, instaurada perante a Câmara de Arbitragem Empresarial Brasil (Camarb), e foi em frente, apresentando argumentos, esperando o contraditório e uma decisão. Só depois que a Camarb decidiu a favor das empresas Advance e Socializa, o governo se deu conta: elas não poderiam estar na arbitragem.
Pior: a arbitragem é para discutir questões contratuais, mas a decisão questionada é de natureza administrativa e discricionária – de forma bem simplificada, “de governo” -, portanto não sujeita a esse tipo de questionamento.

8) A decisão judicial
Depois de tudo isso, o governo foi à Justiça de Pernambuco pedindo que a decisão da Camarb fosse primeiro suspensa, em caráter liminar, para depois ser anulada. A liminar, uma decisão “temporária” e favorável ao governo estadual, saiu ÀS 16:08 desta quarta (25). As empresas e a Camarb têm 72 horas para se manifestarem no processo, de número0058732-98.2015.8.17.0001 .

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