Resgate histórico »Memórias escritas nos porões da ditaduraCarta escrita por presos com detalhes sobre torturas em presídios ajuda a descrever os crimes da ditadura
Andrea Cantarelli - Diario de Pernambuco
Publicação: 09/02/2014
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Presos políticos posam para foto no pátio da Casa da Detenção, no Recife. Foto: Arquivo Pessoal Marcelo Mario Melo |
O documento (veja o texto na integra) foi escrito em 1975 com as assinaturas de 36 presos políticos que cumpriam pena em São Paulo e, com base em uma rede de informações que contava com a ajuda da Igreja, denunciou a situação em cárceres espalhados pelo Brasil. O documento mostra as irregularidades jurídicas no cumprimento das penas, narra casos de presos políticos assassinados e mutilados durante o regime militar e denunciou mais de 200 torturadores. Alguns deles ainda vivos. A realidade descrita na carta é a mesma que, três anos depois, resultou em greves de fome, que ganharam dimensão nacional depois de protestos ocorridos em Pernambuco.
Um dos ex-presos que assinou a carta é o representante da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República, Gilney Viana. Ele conversou com o Diario e contou detalhes do que é, segundo o seu relato, viver uma rotina de torturas no cárcere. “As marcas da tortura e da prisão não são apagadas. Dei minha vida por isso. Não tem como esquecer, só se ficar louco e perder a memória. Muitos não aguentaram!”, disse. O abaixo-assinado, na época, foi enviado para a sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), para que servisse de prova contra os torturadores.
A situação, em Pernambuco, descrita no documento é lembrada pelo ex-preso político Carlos Alberto Soares, preso em 1971 e que passou dois anos na Casa de Detenção e mais oito na Barreto Campelo. Foi a partir do caso do tratamento dispensado a ele que desencadeou uma série de greves de fome em presídios pelo país. Soares ficou por três anos (entre 1975 e 1978) isolado numa solitária, uma cela totalmente fechada, sem acesso a nenhum preso e era torturado sempre à noite. “A sensação era de estar entrando numa masmorra da Idade Média. Tudo sujo e escuro. Ouviam-se gritos de horror e dor; e junto com mais de 20 pessoas dentro de uma mesma cela, os maus tratos eram constantes”, descreve.
“Só depois de muitas greves de fome e uma greve nacional, consegui ter direito ao banho de sol numa área pequena. A Penitenciária Barreto Campelo era conhecida como o pior presídio do Brasil”, contou Carlos. “Ainda me emociono quando lembro que meu filho, ainda bem novo. Estava planejando minha fuga da prisão”, conta o ex-preso político, lembrando que os dois filhos foram concebidos durante o período em que ficou na Casa da Detenção e ainda podia receber visitas da mulher. Ele conta que, na solitária, não tinha acesso a nenhum preso e era torturado sempre à noite.
“Presídio insalubre, onde os presos políticos ocupavam uma ala de presos comuns; celas superlotadas; constante falta de água; latrina precária; alimentação pouca e de péssima qualidade (às vezes até em estado de decomposição); banheiros coletivos que nunca recebiam limpeza adequada; atendimento médico-dentário extremamente deficiente”, diz o documento em relação à Casa da Detenção.
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Marcelo Mario de Melo lembra das greves em troca de cartas. Foto: Roberto Ramos/DP/D.A Press |
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