terça-feira, 20 de maio de 2014

Arte »Artistas e ativistas usam os muros da cidade para expressar mensagens políticasA expulsão de moradores de comunidades por causa das obras da Copa do Mundo está entre as denúncias da Brigada Muralista Palafita

Júlio Cavani - Diario de Pernambuco
Publicação: 20/05/2014 

Mensagem de repúdio à Copa doMundo : uma das pinturas feitas pela Brigada Palafita. Foto: Jô Calazans/Esp.DP/D. A. Pess
Mensagem de repúdio à Copa doMundo : uma das pinturas feitas pela Brigada Palafita. Foto: Jô Calazans/Esp.DP/D. A. Pess

"Coletivo de tendência libertária, que tem como objetivo principal apoiar as lutas e reivindicações das organizações de base e moradorxs de periferia." É assim que se define* a Brigada Muralista Palafita, que tem deixado mensagens políticas e pinturas artístiscas em muros do Recife desde o início do ano.



Os murais da Brigada são pintados por um grupo de artistas e ativistas com a colaboração dos moradores das comunidades onde atuam (inclusive crianças). A questão do direito à moradia tem sido um dos principais temas expostos pelo movimento. No Engenho do Meio, por exemplo, eles elaboraram, na comunidade Roda de Fogo, uma pintura que denuncia a expulsão de moradores e comerciantes de lugares onde foram (ou seriam) construídas obras para a Copa do Mundo.

No feriado de 1º de Maio, Dia do Trabalhador, a Brigada Muralista fez uma intervenção sobre um muro na comunidade do Coque, na Joana Bezerra. Uma personagem feminina, nua, com cobras no cabelo, liberta-se de uma corrente, ao lado do texto: “Mulher trabalhadora. Luta contra o estado e o capital”.

Insurgência contra agressão a mulheres: pintura atualiza debate sobre o assunto. Foto: Jô Calazans/Esp.DP/D. A. Pess
Insurgência contra agressão a mulheres: pintura atualiza debate sobre o assunto. Foto: Jô Calazans/Esp.DP/D. A. Pess

A pintura resgata as origens do feriado (criado para lembrar a morte de oito anarquistas de Chicago por policiais em 1886 quando lutavam por direitos trabalhistas) e atualiza a questão diante dos números atuais de casos de violência contra a mulher.

Algumas pinturas são feitas com o consentimento de moradores das casas ou por representantes de instituições onde ficam os muros. No Coque, entretanto, a ação foi propositalmente clandestina, pois a construção da parede foi feita sem consultas à comunidade (e contra a vontade dos moradores).

Nem todas as mensagens são de protesto. Em uma parede, por exemplo, o tema era a importância da leitura, com frases como: "Não está morto quem luta. Quem come livros é livre". Muros normalmente são construídos para cercar ou prender. Quando recebem intervenções da Brigada Palafita, servem também para libertar.

Os integrantes da Brigada Muralista Palafita se recusaram a ceder informações ao Viver e enviaram apenas a seguinte mensagem: "Não temos contato com a mídia tradicional contra a qual justamente nos posicionamos por ser a mesma responsável de estigmatizar as comunidades nas quais trabalhamos". Eles possuem uma página no Facebook.

As ações da Brigada Muralista Palafita são inspiradas nos movimentos surgidos na década de 1960 no Chile, como a Brigada Ramona Parra e a Brigada Elmo Catalán, que também expandiram as ações para a Europa. A ação também chegou a países como Peru, Bolívia, Argentina e Venezuela. A principal inspiração das brigadas é o muralismo mexicano das décadas de 1920 e 1930, movimento liderado por artistas como Diego Rivera, David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco.

* A palavra “moradorxs” foi escrita com a letra “x” pela Brigada para contemplar moradores e moradoras sem diferenciação de gênero.

Na história

No Recife, em 1982, o movimento Brigada Portinari, também influenciado pelos chilenos e mexicanos) espalhou pinturas com conteúdo político (muitas vezes associadas a partidos e candidatos em eleições) nos muros da cidade (foto), com a participação de artistas como Luciano Pinheiro, José Cláudio, Cavani Rosas, Clériston Andrade e Sergio Lemos. Ao longo daquela década, novos grupos surgiram com nomes que homenageavam figuras como Cristina Tavares, Henfil, Arraes e Lula Cardoso Ayres. Gesto semelhante ao muralismo brigadista foi adotado no Recife por grafiteiros de 1984 até os dias de hoje. Na segunda metade da década de 1990, o graffiti (associado ao hip hop) começou a ganhar força e a proliferar-se graças ao trabalho de artistas independentes (Galo, Derlon, Arbos, Baygon, Bozó, entre outros) e grupos como Subgraf, Êxito de Rua, 33 Crew e AEO Crew.


Movimento

Décadas de 1920 e 1930
Muralismo mexicano
Influenciados por ideais comunistas, artistas pintavam murais monumentais de forte conteúdo político em defesa dos trabalhadores.

Década de 1960
Brigadas Muralistas do Chile
As pinturas eram feitas clandestinamente nos muros (principalmente durante a ditadura de Pinochet) e as mensagens eram mais importantes do que as figuras

Década de 1980
Brigada Portinari no Recife e Olinda
Em plena ditadura, artistas pintavam imagens políticas sobre muros cedidos pelos donos dos imóveis, às vezes em apoio a candidatos de esquerda

Década de 1990 em diante
Proliferação do Graffiti no Brasil
Aliados ao movimento hip hop, artistas usam sprays e rolinhos como principais ferramentas e demarcam os muros com cores, figuras e assinaturas

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