domingo, 31 de agosto de 2014

CIDADANIA

Campanha nos presídios para reconhecimento de paternidade

Parceria da Associação das Mães Solteiras com a Defensoria Pública de Pernambuco vai facilitar o processo de registro

 / Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem

Foto: Hélia Scheppa/JC Imagem

Cláudia Maria da Silva, 44 anos, não tem o nome do pai em sua certidão de nascimento. Sua mãe, Iraci Maria da Conceição, 73, também não. Seu filho, Gleison Francisco, 24, é igualmente filho de mãe solteira. E o filho do seu filho, Gleibson Rafael, o neto de apenas 4 anos, até dois meses atrás, só carregava o nome da mãe em seu registro. Quatro gerações marcadas pela mesma ausência. Mudar essa sina parecia uma realidade impossível, ainda mais para Gleison, que há quatro anos ocupa uma das celas do Presídio de Igarassu, no Grande Recife. A pergunta martelava em sua cabeça: Como, atrás das grades, ele poderia reconhecer a paternidade do filho, nascido dois meses antes da sua prisão?

O jovem não estava sozinho em sua angústia. Fundadora da Associação Pernambucana de Mães Solteiras (Apemas), Marli Silva lidava com esse drama a toda hora. “Eu sempre era procurada por mães que não conseguiam reconhecer a paternidade do filho porque o pai estava preso. Muitos até queriam registrar, mas não tinham como sair da cadeia”, conta. Ela resolveu transformar o problema em solução. Foi bater na porta da Defensoria Pública do Estado e a conversa deu resultado. No próximo mês, quatro defensores públicos vão iniciar uma força-tarefa nos presídios para identificar a situação de filhos cujos registros de nascimento não constam o nome do pai. A campanha começa pela Colônia Penal Feminina.

A inclusão do nome de Gleison no registro de nascimento do filho, Gleibson Rafael, é um dos primeiros frutos dessa parceria. Com a ajuda da Associação de Mães Solteiras e de um defensor público, o preso conseguiu uma autorização judicial e foi até o cartório de Abreu e Lima para escrever seu nome no espaço que estava vazio há quatro anos. “Foi uma realização para mim. Só eu sei o quanto é ruim não ter o nome do pai na certidão”, diz Gleison, sem esconder a frustração que ele próprio sente por ser filho de mãe solteira. Nesse dia, dona Cláudia fez questão de estar presente no cartório. “Meu neto não vai carregar a mesma tristeza do meu filho. Ele vai ter pai e mãe perante o papel e a lei. Eu mesma nunca tive esse direito.”
A prisão, no caso de Gleison, não era o único obstáculo para o reconhecimento legal da paternidade. Ele teve que enfrentar a resistência da ex-namorada, mãe de seu filho, que não queria, de jeito nenhum, colocar o nome do jovem na certidão. “Quando Gleibson nasceu, ele era procurado pela polícia e ficou com medo de ir ao cartório e ser preso. Aí eu registrei como mãe solteira. Fiquei com raiva e não quis mais botar o nome dele”, conta Rafaela Gomes da Silva, 23, que só mudou de ideia após um longo trabalho de convencimento feito pela presidente da Apemas. Agora ela avalia que valeu à pena a insistência. “Acho que ele vai achar bom quando crescer”, admite Rafaela, enquanto dá de mamar ao segundo filho, já de outro pai e também registrado só no nome da mãe.

É justamente para assegurar o direito natural da paternidade que todo filho tem, independentemente das circunstâncias de vida e dos humores dos pais, que o chefe da Defensoria Pública de Pernambuco, Manoel Jerônimo, determinou a criação da força-tarefa. “Temos que garantir o direito personalíssimo, afetivo e previdenciário dos filhos. Para tanto, vamos começar pela Colônia Penal Feminina. Fazer um levantamento junto às mães que estão presas e que têm filhos sem registro paterno e ir atrás dos pais. Muitos também estão em presídios”, explica o defensor-geral. O objetivo da campanha é facilitar o acesso do preso à Justiça. Localizado o pai e a unidade onde ele está preso, o defensor público fará uma petição ao juiz de execuções penais solicitando a liberação do detento para que ele possa comparecer ao cartório e fazer o reconhecimento tardio da paternidade.

Esse é o maior sonho de Hélida Kalen, uma menina de 8 anos, que só viu o pai duas vezes. A primeira, ela lembra de tudo, foi inesquecível. Era o segundo domingo de maio deste ano. Dia das Mães. Ansiosa, esperou toda a sua pouca vida por esse encontro. “Parecia até que ela estava vendo Jesus Cristo”, entrega a mãe, Marriele de Souza Santos, 30. A garota recorda cada frase trocada com o pai. “Deu um medo de entrar no presídio. Fiquei com medo também dele ser mau comigo. Mas ele foi muito bom. Perguntou meu nome e disse que eu era muito bonita”, conta, sem esconder a felicidade de, finalmente, ter conhecido o pai. Quando foi preso, José Wellington de Oliveira, 36, nem sabia da existência da filha. “Eu descobri que estava grávida e, quando fui atrás dele, soube que tinha sido preso no interior. Passamos cinco anos sem nos falar. Depois, soube que ele tinha vindo para o Presídio Aníbal Bruno e fui bater lá. Não nos largamos mais”, afirma Marriele, se declarando para Wellington: “Ele é o amor da minha vida.”

O reencontro na prisão fez a família crescer. Eyshila Helloane, de apenas 1 anos e 5 meses, wellington ainda não conheceu. “E aí, a senhora achou ela parecida comigo”, pergunta o pai, curioso sobre a aparência da filha, quando a reportagem esteve no Presídio de Igarassu para entrevistá-lo. Por ser ainda muito pequena, Marriele não quis levar a menina para a prisão. Eyshila foi registrada só no nome da mãe. A novidade (junto com o aperreio) veio há cinco meses. Marriele está de novo grávida. Agora de gêmeos. Na prisão, Wellington sonha em voz alta. “Meu desejo é filmar o parto dos meus filhos. O médico disse que era um casal.” No presídio, foi ele quem foi atrás de Marli Silva, da Associação de Mães Solteiras, para resolver a situação das filhas. “Só vou descansar quando colocar meu nome na certidão de nascimento delas. Já já vão ser quatro registros para Wellington assinar.

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