FAMÍLIA
Dois filhos, duas mães e uma vitória
Casal de mulheres obtém na Justiça direito à dupla maternidade dos gêmeos filhos de uma delas
Publicado em 15/03/2014
Wagner Sarmento
wsarmento@jc.com.br

Bebês nasceram no dia 6 de fevereiro e foram registrados no dia 20 do mesmo mês
Michele Souza/JC Imagem
Elas estão juntas há 11 anos, moram sob o mesmo teto há 10 e estão casadas desde o ano passado. O amor, de tão grande, não cabia mais nas duas. A decisão de ter um filho foi compartilhada e ignorou o preconceito que uma relação homoafetiva ainda provoca. M.S., 30 anos, tinha o sonho de engravidar; M.O., 39, preferia a adoção. Uma queria menina; a outra, menino. Chegaram ao consenso de que realizariam inseminação artificial e M.S. seria a gestante. O destino terminou de equacionar as diferenças: tiveram gêmeos, um bebê de cada sexo. E o Judiciário botou no papel o que a vida já havia carimbado: duas mães. O juiz da 1ª Vara de Família do Recife, Clicério Bezerra, concedeu a dupla maternidade ao casal em decisão inédita em Pernambuco, proferida em 20 de fevereiro.
As crianças foram concebidas através de fertilização in vitro, com material genético de M.S. e sêmen doado por homem não identificado, proveniente de banco de armazenamento. Os bebês nasceram no dia 6 do mês passado no Hospital Santa Joana. A partir daí, as mulheres, que moram no Janga, em Paulista, procuraram a Justiça para conseguir a dupla maternidade. Na petição, apresentaram escritura de declaração de união estável, declaração do Centro de Reprodução Humana, resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) e as declarações de nascidos vivos.
“Tudo ocorreu na esfera administrativa, sem ter sido necessária a propositura de ação judicial. Em menos de uma semana, já tivemos uma decisão”, explicou Clicério. O Ministério Público, por meio da promotora Izamar Ciríaco, deu parecer favorável.
Na sentença, obtida pela reportagem, o juiz explicou o que motivou sua posição, ressaltando jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). “As requerentes, as quais mantêm uma relação homoafetiva há mais de 10 anos, buscam converter um vínculo precário, em que, teoricamente, apenas uma poderia ter a maternidade reconhecida com base na consanguinidade, para um vínculo institucionalizado, no qual as duas poderão ter a maternidade simultaneamente reconhecida, com alicerce na afetividade e na aplicação da mais moderna hermenêutica jurídica”, escreveu. “Numa sociedade democrática, na qual o pluralismo e a convivência harmônica dos contrários devem subsistir, não há espaço para prevalência de normas jurídicas que conduzam a interpretações polissêmicas e/ou excludentes dos direitos de minorias”, acrescentou.
Diante da decisão, o registro de nascimento dos gêmeos aparece com duas mães na filiação, além de quatro avós maternos. O advogado Gilberto Júnior, que representa o casal, disse que a mulher que gestou as crianças se encontra em licença-maternidade e que a outra também teria direito ao benefício, mas preferiu continuar trabalhando.
Nenhum comentário:
Postar um comentário