terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Barragem

Laudo aponta que Rio Doce estará sujeito a danos ‘imprevisíveis’ ao longo dos anos


Da Agência Globo
Recuperação da qualidade das águas do Rio Doce será um processo “longo e persistente”, conforme o documento da ANA / Foto: Fred Loureiro/Secom-ES/Divulgação
Recuperação da qualidade das águas do Rio Doce será um processo “longo e persistente”, conforme o documento da ANAFoto: Fred Loureiro/Secom-ES/Divulgação
As águas do Rio Doce, depois do maior desastre ambiental da História do país, estarão sujeitas a novos picos de turbidez (água turva), quedas de oxigênio, aumentos na concentração de metais e prejuízos para os dependentes da bacia por períodos “indeterminados e imprevisíveis”. Por essa razão, o abastecimento de água em 12 cidades de Minas Gerais e Espírito Santo que precisam do rio dependerá de “novos mananciais, implantação de poços profundos e sistemas de adução”. Essas 12 cidades concentram mais de 550 mil moradores.
É o que sustenta um laudo da Agência Nacional de Águas (ANA), finalizado em 27 de novembro, e que foi utilizado para embasar ação civil pública da União que pede indenização de R$ 20 bilhões por conta do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG). A ação tramita na Justiça Federal em Minas e tem como alvos a mineradora Samarco, a quem pertencia a barragem, e as empresas Vale e BHP Billiton, controladoras da Samarco.

A Advocacia Geral da União (AGU) e os estados de Minas e Espírito Santo são os autores da ação, que se baseou em pareceres do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), da ANA e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), entre outros órgãos federais. No último dia 18, a Justiça acatou um pedido contido na ação civil pública e determinou que a Samarco deposite R$ 2 bilhões para reparação de danos em caráter emergencial.

“O Rio Doce em seus 650 quilômetros de extensão atingidos pela lama foi ferido de morte pelo verdadeiro cataclismo que resultou da ruptura da barragem do Fundão em Mariana na mina da Samarco”, cita o laudo da ANA, assinado pelo coordenador da Rede Nacional de Monitoramento da Qualidade da Água, Maurrem Vieira. Três diretores da ANA corroboram o parecer.

O documento aponta que outros fatores externos vão interferir na qualidade da água. “A qualidade da água do Rio Doce ainda estará sujeita a variações turbulentas decorrentes da sedimentação da massa de rejeitos quando da ocorrência de chuvas e consequente aumento da vazão, intervenções físicas abruptas no rio e outras ações antrópicas que possam aumentar o poder de degradação e transporte de sedimentos acumulados na sua calha”, diz a ANA na conclusão do parecer.

PROCESSO “LONGO” - A recuperação da qualidade das águas do Rio Doce será um processo “longo e persistente”, conforme o documento da ANA, e precisará extrapolar a remoção do material arrastado para o rio. O laudo informa que existem 169 pontos de captação de água no Doce, a maioria para mineração — 72 pontos. A irrigação faz uso de 46 pontos de captação, seguida de abastecimento público, com 26 pontos, e indústrias, com 16.

Na bacia do Rio Doce, existem oito usinas hidrelétricas de maior porte. Quatro estão em trechos do rio atingidos pela onda de lama, como consta no parecer da ANA. A usina Candonga chegou a interromper o funcionamento de duas das três comportas existentes por conta da lama. Além disso, a onda de rejeitos levou ao assoreamento quase total do volume morto do reservatório, segundo informações preliminares usadas no laudo da ANA.

ELEVAÇÃO DE METAIS PESADOS - A ANA detectou uma “súbita e expressiva elevação” de concentrações de alumínio, cádmio, chumbo, níquel, ferro e manganês nas águas do Rio Doce logo após o rompimento da barragem de Fundão. Houve um “rápido decaimento” dessas concentrações nos dias seguintes ao acidente, mas com valores ainda acima dos registrados em amostragens anteriores.

“A confirmação dessa tendência (de decaimento) deverá ser confirmada pelas novas campanhas de amostragem e ensaios de laboratório”, diz o parecer da agência do governo federal. O documento foi citado na ação em que a União pediu indenização de R$ 20 bilhões em razão do estouro da barragem.

Outro laudo usado na ação, dessa vez de autoria do ICMBio, dá a dimensão dos prejuízos com o desastre ambiental: somente a restauração de espécies de peixes diretamente atingidas pelo desastre depende de aportes de R$ 191,7 milhões durante dez anos. Onze espécies são consideradas como ameaçadas e outras 60 são nativas do rio. A recuperação de áreas de desovas de tartarugas-marinhas, diretamente impactadas, consumiriam mais R$ 30,3 milhões.

17 MORTOS E 2 DESAPARECIDOS - A Samarco vem sustentando, com base em análises feitas pela ANA e pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), que a qualidade da água do Rio Doce está compatível com os resultados encontrados antes do rompimento da barragem. Boletim divulgado pelo CPRM em 15 de dezembro, mostrava por exemplo, que, se tratada adequadamente pelas companhias de saneamento, a água poderia ser consumida sem riscos pela população.

“A quantidade de material em suspensão na água alcançou níveis até 100 vezes superiores aos observados historicamente durante períodos de chuvas torrenciais. A turbidez continua alta, portanto ainda requer procedimentos especiais nas Estações de Tratamento.. Com relação à presença de metais pesados dissolvidos em água (cátions): arsênio, cádmio, mercúrio, chumbo, cobre, zinco, entre outros, os resultados de 2015 são, de modo geral, similares a levantamentos realizados pela CPRM em 2010. Os valores obtidos nas coletas indicaram condições em conformidade com a Portaria 2.914 do Ministério da Saúde, exceto para o manganês dissolvido que, no entanto, também pode ser tratado para padrões adequados ao consumo nas Estações de Tratamento”, dizia a nota de 15 de dezembro do CPRM.

Além dos impactos ambientais, o rompimento da barragem em 5 de novembro causou a morte de 17 pessoas. Outras duas ainda estão desaparecidas. O distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, a poucos quilômetros de Fundão, foi o local mais atingido — foi arrasado pela onda de lama. As famílias de lá e também de Paracatu, outro distrito de Mariana, tiveram de passar o último Natal em hotéis ou casas alugadas pela Samarco. O plano é reconstruir as comunidades em outra localidade. No último sábado, a Samarco anunciou que não pretende reconstruir a barragem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário