domingo, 13 de dezembro de 2015

SISTEMA CARCERÁRIO

Penas alternativas podem reduzir superlotação em presídios

Até 30% dos detentos poderiam estar fora das unidades prisionais


Felipe Vieira

Complexo do Curado é a unidade mais superlotada do Estado / Edmar Melo/JC Imagem

Complexo do Curado é a unidade mais superlotada do Estado

Edmar Melo/JC Imagem

Nos quase nove anos do Pacto pela Vida (PPV), entre maio de 2007 e novembro de 2015, as forças de segurança de Pernambuco prenderam como nunca. A população carcerária do Estado praticamente dobrou, de 17 mil para 32 mil detentos. O número de vagas nos presídios, no entanto, aumentou apenas 33%, de 8,2 mil para 11 mil no mesmo período. A estrutura do Judiciário também não acompanhou o ritmo frenético de encarceramento e segue sem conseguir julgar os delitos com a devida rapidez. Resultado: o Estado tem hoje o sistema prisional mais abarrotado do País, com 265% de ocupação, segundo o Ministério da Justiça. E a superlotação das unidades cobra um preço alto, em forma de rebeliões, depredações, tumultos nos pavilhões e mortes entre os reeducandos. Só este ano, 13 deles foram assassinados. 
Mas a simples aplicação da lei poderia colocar cerca de 30% dos detentos de Pernambuco, presos por crimes de menor potencial ofensivo, fora da cadeia. Eles poderiam cumprir medidas alternativas, desafogando o sistema e resultando em menos gastos para o governo. Como cada detento tem custo mensal de R$ 2 mil para os cofres públicos, os cerca de 9 mil homens e mulheres que poderiam estar fora da prisão representariam uma economia mensal de R$ 18 milhões para o Estado.
De acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), do Ministério da Justiça, cerca de 50% dos presos em Pernambuco estão encarcerados por tráfico de drogas ou roubo/furto. “O problema é que milhares de pessoas são presas com quantidade muito pequena de drogas e são autuadas como traficantes. Na maioria das vezes é usuária de entorpecentes e precisa de tratamento, não de prisão”, explica o 19º promotor de execuções penais Marcellus Ugiette. Situações como furtos simples, que rendem de um a quatro anos de reclusão, também podem ser objeto de penas alternativas – como prestação de serviços comunitários – desde que o acusado não faça uso da violência e não seja reincidente.
Em termos absolutos, e a título de estatística, um número robusto de prisões pode significar eficácia das forças policiais. Mas sem o ciclo completo – julgamento rápido, cumprimento da pena e ressocialização –, pode se transformar numa bomba-relógio, pronta para explodir nas unidades prisionais. Em 2013, ano em que o Pacto pela Vida teve seu melhor desempenho, foram registrados 25.175 recolhimentos, entre prisões em flagrante, cumprimento de decisão judicial e ato infracional (para menores de 18 anos). O número de prisões caiu nos dois anos seguintes, para 24.542 em 2014 e 22.672, entre janeiro e novembro de 2015, coincidentemente, acompanhando a perda de fôlego do programa. Mas o resultado final ainda é o inchaço no sistema carcerário, traduzido pelo impressionante número de 59% de presos provisórios (que ainda não foram julgados), o quarto maior índice do Brasil.
Mesmo assim, a política de encarceramento não dá sinais de arrefecer. Em fevereiro deste ano, o governo instituiu a nova sistemática de bonificação para prisões. Os valores vão de R$ 80 a R$ 400, divididos entre os policiais que participaram da operação, dependendo do crime cometido. Os 50 policiais mais bem colocados no ranking interno de apreensão de crack recebem R$ 1 mil cada ao final do mês. “Essa política precisa ser repensada. Para cumprir metas, a polícia está prendendo muito e prendendo mal. Em vez de investigações detalhadas e prisões de grande impacto, quem está indo para a cadeia é a população mais vulnerável, que muitas vezes vende pequenas quantidade de droga para sobreviver ou alimentar o próprio vício”, explica a professora de direito da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Marília Montenegro.
Morosidade e distorções no Executivo e no Judiciário também obrigam pessoas que poderiam estar em liberdade ou com direito à progressão de regime continuarem presas. No caso do detento Anderson José do Nascimento, de 25 anos, o preço do erro do Estado foi a própria vida. Preso provisoriamente no Centro de Triagem e Observação Professor Everardo Luna (Cotel), em Abreu e Lima, no Grande Recife, desde janeiro, acusado de tráfico de drogas, ele recebeu um alvará de soltura no dia 22 de outubro passado, mediante monitoramento eletrônico por tornozeleira. Como o Estado não tinha o equipamento, Anderson não conseguiu sair e foi assassinado por outro detento, no dia 1º de novembro. 
“No Brasil, não há prisão perpétua nem pena de morte. Ou seja, uma hora, esse detento vai voltar para a sociedade. E como ele vai voltar? Não se pensa nisso. Dentro do quadro de calamidade que existe hoje no sistema prisional, é muito difícil ele não sair pior do que entrou”, alerta Marcellus Ugiette.

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